quinta-feira, 1 de abril de 2021

Principais movimentos artísticos do século XX

Veja como esses movimentos expressaram, de um modo ou de outro, a perplexidade do homem moderno.



Os movimentos artísticos do século XX se inserem em um contexto marcado por profundas mudanças históricas que afetaram drasticamente o comportamento político e social do nosso tempo.

Foi o período que se acentuaram as diferenças entre a alta burguesia e os trabalhadores, ocasionando maior força ao capitalismo. Esse momento também é marcado pelo surgimentos dos primeiros movimentos sindicais, como uma das consequências do Pós Guerra.

Em um contexto de inúmeras mudanças políticas, econômicas e sociais, como é o século XX, pode-se identificar um terreno fértil para a criação de novos conceitos no campos das artes e dos movimentos artísticos.

Assim, tendênciascomo o Expressionismo, o Fauvismo, o Cubismo, o Futurismo, o Abstracionismo, o Dadaísmo, o Surrealismo e o Pop-art, expressam de um modo ou de outro, a perplexidade do homem.


Expressionismo

Esse movimento artístico surge como uma reação ao Impressionismo. Enquanto no primeiro, a preocupação está em expressar as emoções humanas, transparecendo em linhas e cores vibrantes os sentimentos e angústias do homem moderno, no movimento Impressionista, o enfoque resumia-se na busca pela sensação de luz e sombra.

Louise Nevelson
Um Tributo Americano ao Povo Britânico (1960), de Louise Nevelson

Movimentos artísticos; Helen Frankenthaler, Lee Krasner e Agnes Martin
Helen Frankenthaler, Lee Krasner e Agnes Martin

Fauvismo

O Fauvismo foi um movimento que teve basicamente dois princípios: a simplificação das formas das figuras e o emprego das cores puras, sem mistura.

As figuras não são representadas tal qual a forma real, ao passo que as cores são usadas da maneira que saem do tubo de tinta. O nome deriva de fauves (feras, no francês), devido à agressividade no emprego das cores.

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The dessert harmony in red (1908), Henri Matisse. Esta obra faz parte do Hermitage em St. Petersburgo

Movimentos artísticos; Maurice de Vlaminck, Georges Braque e Henri Matisse
Maurice de Vlaminck, Georges Braque e Henri Matisse

Cubismo

No Cubismo, podemos observar a mesma despreocupação em representar realisticamente as formas de um objeto.

Entretanto, aqui a intenção era fazê-lo ser visto por vários ângulos, em um único plano. Com o tempo, acabou evoluindo em duas grandes tendências: Cubismo Analítico e Cubismo Sintético.

O movimento teve o seu melhor momento entre 1907 e 1914, e mudou para sempre a forma de ver a realidade.

Movimentos artísticos; Pablo Picasso
Obras de Pablo Picasso

Movimentos artísticos; Fernand Leger, Albert Gleizes e Georges Braque
Fernand Leger, Albert Gleizes e Georges Braque

Futurismo

O Futurismo abrange sua criação em expressar o real, assinalando a velocidade exposta pelas figuras em movimento no espaço.

Foi um dos movimentos artísticos que se desenvolveu em todas as artes e exerceu influência sobre vários artistas que, posteriormente, criaram outros movimentos de arte moderna.

Repercutiu principalmente na França e na Itália, onde diversos artistas se identificaram com o fascismo nascente.

Louise Nevelson
O Cavaleiro Vermelho (1913), de Carlo Carrà

Movimentos artísticos; Ardengo Soffici, Nikolay Diulgheroff e Gino Severini
Ardengo Soffici, Nikolay Diulgheroff e Gino Severini

Abstracionismo

O abstracionismo é o movimento que se opõe à arte figurativa ou objetiva.

A principal característica da pintura abstrata é a ausência de relação imediata entre suas formas e cores de um ser.

Solidão (1994), de Iberê Camargo
Solidão (1994), de Iberê Camargo

Dadaísmo

No Dadaísmo, também podemos encontrar um dos movimentos artísticos mais abrangentes em todos os seus campos, pois, não se tratou apenas de uma corrente artística, mas sim, de um verdadeiro movimento literário, musical, filosófico e até mesmo político.

Embora a palavra dada em francês signifique cavalo de madeira, sua utilização marca o non-sense ou falta de sentido que pode ter a linguagem (como na fala de um bebê). A princípio, o movimento não envolveu uma estética específica, mas talvez as principais expressões do Dadaísmo tenham sido o poema aleatório e o ready-made.

O intuito deste movimento era mais de protestar contra os estragos trazidos da guerra, denunciando de forma irônica toda aquela loucura que estava acontecendo. Sendo a negação total da cultura, o Dadaísmo defende o absurdo, a incoerência, a desordem, o caos.

Movimentos artísticos; Marcel Duchamp
A fonte (1917), de Marcel Duchamp

Marcel Duchamp, Max Ernest e Man Ray
Marcel Duchamp, Max Ernest e Man Ray

Surrealismo

O Surrealismo foi um movimento artístico e literário surgido primeiramente em Paris nos anos 1920.

Segundo os surrealistas, a arte deve se libertar das exigências da lógica e da razão e ir além da consciência cotidiana, buscando expressar o mundo do inconsciente e dos sonhos.

O surrealismo é também uma espécie de mecanismo que não se limita a transcrever passivamente o sonho e sim descobrir um modo de acionar o inconsciente mediante ao “automatismo psíquico”. Dessa maneira, uma ideia segue a outra sem a consequência lógica das demonstrações usuais e sim automaticamente.

Técnicas como a escrita automática da literatura, da colagem e a decalcomania, em relação às artes plásticas, tornaram-se muito populares entre os surrealistas que as utilizavam na produção dos seus jogos de associação livre de sentidos.

Obras de Joan Miró
Obras de Joan Miró
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Salvador Dalí

Pop Art

Pop art ou Arte pop foi um movimento artístico que se desenvolveu na década de 1950, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Foi, na verdade, uma reação artística ao movimento do expressionismo abstrato das décadas de 1940 e 1950.

Os artistas trabalhavam com cores vivas e modificavam o formato destes objetos. A técnica de repetir várias vezes um mesmo objeto, com cores diferentes e a colagem foram muito utilizadas.

Roy Lichtenstein
Obra de Roy Lichtenstein

quinta-feira, 25 de março de 2021

Livros para conhecer a literatura contemporânea brasileira

O rótulo literatura brasileira contemporânea habitualmente se refere as produções literárias lançadas a partir dos anos 2000, embora alguns teóricos apontem datas iniciais diferentes, alguns a partir da década de 80 e 90. De toda forma, é importante sublinhar que não há entre essas produções literárias nenhum tipo de projeto estético, político ou ideológico comum, não se trata, portanto, de um movimento organizado.

1. Torto arado (2019), de Itamar Vieira Junior

Torto arado

A obra mais consagrada do escritor baiano estreante Itamar Vieira Junior já recebeu uma série de prêmios importantes como o Jabuti de Literatura e o Prêmio Leya de Livro do Ano.
No seu primeiro romance publicado, Itamar escolheu falar de um Brasil rural, onde os trabalhadores vivem numa situação não muito diferente do que nos tempos da escravatura.

Passada no sertão da Bahia, a história acompanha Bibiana, Belonísia e a sua família de descendentes de escravos. Apesar da abolição da escravatura, todos estão imersos ainda numa sociedade rural patriarcal conservadora e preconceituosa.

Enquanto Belonísia tem um perfil mais conformado, e trabalha na fazenda ao lado do pai sem grandes hesitações, Bibiana tem consciência da condição de servidão a que ela e os que estão ao redor estão submetidos. Idealista, Bibiana decide lutar pela terra onde todos trabalham e pela emancipação dos trabalhadores.

A produção de Itamar é mais uma das vozes presente na literatura contemporânea brasileira que pretende apresentar para o público realidades mais marginalizadas, pouco conhecidas, longe do eixo das grandes cidades.

Há uma tendência na literatura contemporânea de mostrar essas vozes sociais novas, vozes antes não autorizadas (de mulheres, negros, moradores da periferia, minorias de modo geral).

Se antes a literatura brasileira era habitualmente produzida por escritores consagrados, majoritariamente homens, brancos, de classe média - especialmente do eixo São Paulo/Rio - que criavam personagens também brancos, começou a haver espaço na literatura contemporânea para novos lugares de fala.

A internacionalização de autores brasileiros, como ocorreu com Itamar, está em sintonia com uma maior projeção internacional da literatura brasileira. Esse processo, embora tardio, acontece graças à participação dos editores nacionais nas feiras literárias, aos programas de apoio à tradução e aos prêmios que dão visibilidade internacional para as produções nacionais.

2. A ocupação (2019), de Julián Fuks

A ocupação

A obra anterior do brasileiro Julián Fuks, A resistência, recebeu o prêmio José Saramago e A ocupação segue os passos da obra que a antecede apresentando também uma forte narrativa. Em A ocupação o escritor vai por um caminho diferente e une a sua experiência individual com o desejo de pensar o complexo Brasil contemporâneo.

O personagem principal dessa história é Sebastián, alter-ego de Julián Fuks, que escolheu criar uma obra com vestígios autobiográficos. O livro é resultado da experiência vivida pelo escritor no Hotel Cambridge, em São Paulo, que foi ocupado pelo Movimento Sem Teto em 2012. Julián foi um observador dessa nova vida dada ao edifício e esse é um dos enredos que alimenta a história do livro.

A obra também bebe muito das interações entre o personagem e o pai, hospitalizado, e das conversas com a companheira sobre a decisão do casal ter ou não um filho.

A ocupação é um exemplo de romance entre muitos da literatura contemporânea brasileira que brinca com as fronteiras entre a ficção e a biografia, misturando traços da vida do autor com aspectos inteiramente fictícios e literários. Esse cruzamento entre a experiência pessoal e a literária é uma das características mais marcantes da produção contemporânea.

3. Pequeno manual antirracista (2019), de Djamila Ribeiro

Pequeno manual antirracista (2019), de Djamila Ribeiro

A jovem ativista brasileira Djamila Ribeiro é uma das vozes contemporâneas mais importantes na luta contra o racismo. Na sua obra curta, Djamila convida o leitor, ao longo de onze capítulos, para refletir sobre o racismo estrutural, arraigado na nossa sociedade.

A autora chama a atenção para a dinâmica social que oprime o negro, o marginaliza, e busca as raízes históricas para os resultados que vemos nos dias de hoje convidando o público a pensar na importância da prática antirracista cotidiana.

O livro recebeu o Prêmio Jabuti na categoria Ciências Humanas e vai de encontro a um movimento mais amplo presente na literatura brasileira contemporânea de ouvir o outro, entender o seu lugar de fala, reconhecer a sua voz e legitimar o seu discurso.

A nossa literatura tem procurado cada vez mais levantar novas vozes e compreender a complexidade social do meio onde estamos inseridos.

Conheça também a nossa análise dos livros fundamentais de Djamila Ribeiro.

4. O verão tardio (2019), de Luiz Ruffato

O verão tardio (2019), de Luiz Ruffato

O livro O verão tardio, de Luiz Ruffato, de uma certa forma denuncia o estado de apatia em que os brasileiros se encontram nos últimos tempos. A obra retrata o ambiente de radicalização política, o isolamento e a perda progressiva da capacidade de trocar com o outro independente da sua religião, gênero ou classe social.

Quem conta essa história é Oséias, um sujeito comum, que nos relembra a nossa degradação progressiva: por que deixamos de interagir com os outros de modo pacífico? Quando começamos a desenvolver uma opinião cega que nos impede de ouvir o outro lado? Em que momento passamos a oprimir aqueles que são diferentes de nós?

Oséias é um homem humilde, um representante comercial de uma empresa de produtos agropecuários. Após vinte anos vivendo em São Paulo, ele retorna a sua cidade de origem (Cataguases, Minas Gerais) e reencontra a família depois de ter sido abandonado pela mulher e pelo filho na cidade grande. É nessa viagem ao passado que Oséias mergulha na sua memória e procura ressignificar as suas escolhas pessoais.

A criação de Ruffato retrata o choque cultural entre a cidade grande - a vida urbana - e o cotidiano rural, regido por outros valores e por um tempo distinto. Esse movimento é frequente na literatura contemporânea, que pretende apresentar uma série de Brasis diferentes: ao mesmo tempo que dá a ver uma narrativa regionalista, muitas vezes também faz um retrato do cotidiano urbano. É dessa fragmentação, dessa apresentação de opostos em choque, que muitos escritores se alimentam para produzirem as suas criações literárias.

5. O homem ridículo (2019), de Marcelo Rubens Paiva

O homem ridículo (2019), de Marcelo Rubens Paiva

Marcelo Rubens Paiva é um nome importante da literatura brasileira contemporânea que resolveu reunir uma série de contos e crônicas que criou em torno da questão do gênero para lançar O homem ridículo.

Muitos desses pequenos textos foram escritos há tempos e obrigaram a uma releitura e reescrita do autor, que pretendeu aqui levantar a discussão sobre os papéis sociais e os clichês de gênero.

Marcelo Rubens Paiva escolheu colocar luz nos lugares de fala de homens e mulheres e compreender melhor a dinâmica entre os casais, fazendo um retrato afetivo e contemporâneo sobretudo das relações amorosas.

Se o mundo antes vivia imerso num predominante discurso masculino, agora esse espaço foi democratizado e as mulheres passaram a ter uma voz mais potente e é dessa mudança que Marcelo Rubens Paiva escolheu falar.

O formato da obra, curto e veloz, é compatível com uma tendência contemporânea de se produzir em formas reduzidas, de consumo mais rápido.

Marcelo Rubens Paiva é um bom exemplo da profissionalização do autor brasileiro, uma condição que tem sido crescente na literatura brasileira. O escritor, que é também jornalista, roteirista e dramaturgo, vive da escrita, prática impensável há algumas décadas.

6. O mundo não vai acabar (2017), de Tatiana Salem Levy

O mundo não vai acabar

A coletânea de ensaios breves de Tatiana Salem Levy reúne uma série de pequenas narrativas que fazem um mix da situação política brasileira e internacional (passando por políticos variados como Crivella e Trump), além de tecer comentários sobre a economia e questões sociais importantes como a crescente onda de xenofobia que assola o mundo.

A obra também conta com passagens autobiográficas que evidenciam a forma como a autora enxerga o mundo, na maior parte das vezes falando a partir de um olhar de resistência.

Em comum, todas as histórias pretendem, de alguma forma, ajudar a ler o mundo em que vivemos hoje.

Observamos na produção de Tatiana Salem Levy um aspecto importante da literatura contemporânea brasileira que é o desejo de representar a realidade, ainda que muitas vezes ela seja apresentada como uma fragmentação.

Ao oferecerem múltiplas perspectivas de leitura dessa sociedade contemporânea, os autores dos nossos tempos procuram construir conosco uma possível paisagem social para compreendermos melhor o tempo em que vivemos.

7. Cancún (2019), de Miguel del Castillo

Cancún

Cancún é o primeiro romance do escritor carioca Miguel del Castillo. Nele assistimos o percurso de vida de Joel, desde a adolescência - num período onde se sentia desconfortável - passando pela sensação de acolhimento encontrado numa igreja evangélica. A obra fala também sobre a entrada na vida adulta e as suas principais escolhas tomadas até os 30 e poucos anos.

A relação difícil com o pai e com a família também é tematizada no livro, que aborda muitos dos momentos que levaram Joel a se tornar quem é.

A obra é uma espécie de romance de formação que toca na questão da religião, da sexualidade e da paternidade. No livro observamos tanto a formação do menino, a adolescência complicada em condomínios fechados da Barra da Tijuca até o nascimento do seu primeiro filho.

A obra é uma jornada que fala tanto da vida de um personagem quanto também de um certo meio de classe média alta carioca.
Para compor o seu romance de estreia, Miguel del Castillo recorreu a uma série de memórias pessoais e bebeu muito da sua biografia.

Na leitura de Cancún observamos uma busca por uma singularidade autoral. A procura por uma impressão digital forte do artista é também um traço transversal a muitos autores da literatura brasileira contemporânea.

8. Sobre o autoritarismo brasileiro (2019), de Lilia Moritz Schwarcz

Sobre o autoritarismo brasileiro (2019), de Lilia Moritz Schwarcz

A obra da antropóloga Lilia Moritz Schwarcz carrega um aspecto importante presente em muitas das produções brasileiras contemporâneas: o desejo de engajamento social e conhecimento do funcionamento da nossa sociedade.

Ao longo do seu ensaio, a pensadora tenta compreender as raízes do autoritarismo na sociedade brasileira olhando cinco séculos para trás. Intrigada com o presente, a professora da USP Lilia Moritz Schwarcz olha para trás à procura de respostas sobre como chegamos a esse lugar.

Reunindo uma série de dados estatísticos e informações de caráter histórico, Lilia volta o seu radar sobre a nossa origem política e social. Corajosamente ela levanta também reflexões relacionadas às questões de gênero como, por exemplo, o fato das mulheres na vida pública ocuparem tão pouco espaço (em 2018 apenas 15% das cadeiras foram ocupadas por mulheres, num país em que 51,5% da população é feminina).

9. Agora aqui ninguém precisa de si (2015), de Arnaldo Antunes

Agora aqui ninguém precisa de si (2015), de Arnaldo Antunes

Até este momento não havíamos falado sobre a poesia brasileira contemporânea, que possui contornos muito especiais. A produção de Arnaldo Antunes é um excelente exemplo desse tipo de produção literária, que comunica para além das palavras, também com a forma.

A poesia contemporânea tem sido bastante reconhecida por usar outros recursos (tais como gráficos, montagens, colagens). Trata-se, portanto, de uma poesia visual, rica em significados.

É frequente também na poesia contemporânea brasileira a presença da metalinguagem, que é uma forma da linguagem falar sobre ela mesma. Isto é, nesse tipo de produção poética encontramos, dentro do próprio poema, um comentário sobre ele. Em uma série de poemas Arnaldo Antunes usa o recurso metalinguístico para pensar a poesia.

10. Dias e dias (2002), de Ana Miranda

Dias e dias (2002), de Ana Miranda

Ana Miranda é uma romancista menos conhecida dentro da literatura brasileira, mas que produziu algumas obras contemporâneas muito interessantes.

Dias e Dias é um romance que fala sobre o amor entre Feliciana, uma mulher sonhadora, e o poeta romântico Antônio Gonçalves Dias, que de fato existiu no século XIX tendo criado versos importantes como a Canção do Exílio e I-Juca-Pirama. A obra, portanto, mistura história e ficção.

No romance está muito presente o uso da intertextualidade, recurso bastante frequente na literatura brasileira contemporânea. A intertextualidade acontece quando há uma relação entre um texto literário com outro, anterior, sendo possível no texto mais recente observar vestígios e influências do que o antecedeu. No caso do romance de Ana Miranda, a intertextualidade se dá o diálogo com a produção poética de Gonçalves Dias.

sexta-feira, 19 de março de 2021

Fotografia e Arte

Quando a fotografia surgiu em 1826 muito se discutiu a respeito do seu valor artístico. Diziam que a imagem era feita pela máquina e não pelo fotógrafo. Muitos teóricos da época, incluindo Baudelaire, um dos mais expressivos representantes da cultura francesa, negavam publicamente a fotografia como forma de expressão artística, alegando que “a fotografia não passa de refúgio de todos os pintores frustrados”. Ou seja, aqueles que não sabiam pintar recorriam à fotografia por esta ser um procedimento puramente técnico que não exigia nenhum dom artístico.

A fotografia como um novo advento que permitia a representação fiel da realidade conturbou o mundo cultural e artístico europeu. Acreditavam que a fotografia substituiria a pintura e o desenho. Segundo o filósofo Walter Benjamin “já se haviam gasto vãs sutilezas em decidir se a fotografia era ou não arte mas, preliminarmente, ainda não se haviam perguntado se esta descoberta não transformaria a natureza geral da arte”.(Freund, 1982)

De fato, o surgimento da fotografia alterou drasticamente o mundo da arte. Por um lado, o surgimento da fotografia fez com que a pintura procurasse outras formas de interpretação da realidade. Assim, a pintura sentiu-se obrigada a produzir imagens que a câmara fotográfica não conseguia registar. Como exemplos extremos podemos citar o cubismo e o expressionismo com suas imagens bizarras e completamente descoladas da representação fidedigna da realidade. Veja os exemplos abaixo:

 

Abordagem pictórica: a imagem tem valor por si só

Tem muita foto que não precisa trazer mensagem alguma, só a beleza da imagem já lhe basta. Na verdade é muito difícil uma imagem que não traga um conceito por trás, já que toda foto é feita dentro de um contexto, de uma determinada época. Contudo, esse conceito pode ficar em segundo plano quando o valor da imagem é mais visual do que teórico.

 A supremacia da luz

A fotografia é por excelência o meio de produção que trabalha com a luz e a sombra. Assim, fotos que exploram bem esse jogo luminoso e cromático tendem a impressionar pela beleza visual. Dentro dessa categoria, gosto de destacar as fotos feitas em estúdio, cuja iluminação é cuidadosamente montada. Mas também é possível se obter excelentes imagens ao ar livre se as condições luminosas são propícias. Veja os exemplos abaixo feitos por Edward Weston. A princípio são objetos banais, como pimentões ou verduras, mas perceba como esses elementos ganham uma beleza especial quando bem iluminados.

Veja esse outro exemplo de Robert Mapplethorpe. A iluminação valoriza a musculatura e os contornos do corpo do modelo. Está certo que o modelo tem um corpo bonito, mas com certeza essa foto seria muito mais sem graça se não fosse essa luz bem montada. Isso mostra que a beleza da imagem está antes na luz do que no próprio modelo.

Ainda se falando de iluminação, não podemos deixar de citar as fotografias em HDR, uma técnica fotográfica muito recente, surgida com a tecnologia digital. HDR é a sigla em inglês para High Dynamic Range. Isso quer dizer que uma fotografia em HDR apresenta muito mais detalhes na variação da luz desde as sombras mais escuras até as áreas mais claras da imagem. Numa foto normal, se regulamos a câmera para captar bem as altas luzes, perdemos os detalhes nas áreas de sombra, ou seja, as sombras ficam muito escuras. Já, se regulamos a câmera para as áreas mais escuras, as altas luzes estouram, ficando tudo muito branco. Com a técnica HDR eliminamos esse problema, já que com ela nós obtemos uma imagem a partir de, pelo menos, três fotografias do mesmo objeto só que com regulagens diferentes para a captação da luz. O resultado final é uma imagem, por vezes estranha, mas muito interessante. Veja alguns exemplos de fotos em HDR e perceba a magia desse efeito luminoso:


A cor predominante

Ainda se tratando de luz, não podemos deixar de falar da cor. Afinal, as cores são obtidas por diferentes comprimentos de onda dos raios luminosos. Contudo, quando trabalhamos com a cor, todo um novo universo de possibilidades se abre à nossa frente. É possível se fazer excelentes fotos usando apenas as cores como objeto de interesse. Nesse caso, saber combinar as cores é fundamental para uma boa composição. Muitas vezes essa mistura já vem pronta no mundo, basta sabermos aproveitar a ocasião. Veja os exemplos abaixo. Os objetos fotografados continuam reconhecíveis, mas não são eles que chamam a atenção e sim suas cores.

A força da forma

Mas não é só de luz que se faz uma foto. Afinal, 99,9% do que fotografamos é matéria. E toda matéria tem forma e volume. Sabendo combinar esses elementos conseguimos boas composições utilizando as linhas, as superfícies e as texturas. Pensar na composição da imagem através do uso de pontos, linhas e superfícies é tão importante que Kandinsky dedicou um livro inteiro sobre o tema: Ponto e linha sobre o plano.

Quando fotografamos pensando nesses elementos pictóricos, tais como as forças das linhas, o equilíbrio das formas e a textura dos objetos, estamos raciocinando a imagem fotográfica como um desenho. Para tanto é preciso seguir os ensinamentos do conceituado pintor Cezane, ou seja, reduzir os objetos do mundo nas suas formas mais primitivas. Assim, uma maçã torna-se uma esfera; uma garrafa torna-se um cone; um celular se torna um cubo e assim por diante. Daí a questão é só pensar na composição desses objetos como uma composição geométrica em que os objetos devem ser distribuídos de maneira a criar harmonia e equilíbrio. Isso pode parecer estranho a primeira vista, mas pode-se tornar natural com a prática.

Além disso, quando pensamos em composição de objetos nas imagens, podemos considerar alguns preceitos da Gestalt, ou seja, pensar na repetição das formas, nos agrupamentos, no contraste entre as linhas retas e curvas e na relação da figura com o fundo da imagem.

Um movimento fotográfico que levou em conta essas considerações foi o Modernismo Fotográfico no Brasil. Os fotógrafos desse grupo, inspirados pelos movimentos concretista e pelo construtivismo russo, abusaram das formas geométricas, das linhas e das repetições de padrões em suas imagens. Dentre os fotógrafos mais importantes desse movimento podemos destacar: José Oiticica Filho, Marcel Giro, German Lorca, Thomaz Farkas, José Yalenti e Geraldo de Barros.Veja alguns exemplos de fotos do modernismo brasileiro:

Ainda com relação à questão de composição, veja esse outro belo exemplo menos evidente realizado por Herb Ritz. Perceba a beleza das linhas sinuosas do corpo da modelo e do corte do vestido, assim como a harmoniosa forma do tecido esvoaçante. Tudo isso composto com um fundo claro, limpo e de linha reta.

 Abordagem conceitual: as mil palavras de uma imagem

Dizemos que uma foto é conceitual quando ela traz consigo uma mensagem, uma ideia, ou seja, quando a foto extrapola o campo da imagem pura e se relaciona com outras questões filosóficas, poéticas, sociais ou históricas.

A foto como prova documental

De acordo com a semiótica, a fotografia, é por natureza um índice. Ou seja, uma foto é um registro de algo que realmente ocorreu. Por exemplo: se uma pessoa foi registrada numa foto é porque essa pessoa realmente existiu; se um casamento foi clicado por um fotógrafo, é porque essa cerimônia realmente aconteceu. Isso pode parecer óbvio, mas é justamente esse caráter indicial da fotografia que a diferencia da pintura ou do desenho. Um pintor, por exemplo, pode inventar uma paisagem ou um personagem, mas um fotógrafo (a princípio) não, ele se baseia na realidade, no fato existente. É nesse contexto que estão incluídas as fotos históricas, documentais e sociais. São fotos que tem como valor registrar a existência das coisas, as transformações causadas pelo tempo e a diversidade da cultura humana.

Mas como uma foto que apenas registra um fato pode ter um valor artístico? Pelo simples motivo que nenhuma foto é inocente! Toda foto carrega o ponto de vista do fotógrafo. Ao enquadrar a imagem o fotógrafo está decidindo o que ele quer mostrar e o que quer deixar de fora da imagem. Assim, um mesmo acontecimento pode ser registrado de diferentes maneiras por diferentes fotógrafos. Cada um inclui na sua foto os seus valores, suas convicções, seu ponto de vista, sua opinião e, também, sua poética. São esses elementos que fazem os fotógrafos buscarem uma linguagem própria dentro da fotografia. Assim como na literatura cada escritor tem seu estilo de escrever, na fotografia cada fotógrafo tem seu jeito de olhar para as coisas.

No rol de fotógrafos que trabalham nessa temática podemos destacar grandes nomes como Sebastião Salgado, Claudia Andujar, Cartier Bresson e muitos outros.

Sebastião Salgado, por exemplo, é conhecido mundialmente por suas fotos que trazem uma crítica à exploração do trabalho e às desigualdades sociais. Veja um belo exemplo que esse fotógrafo desenvolveu com o tema “Trabalhadores”, registrando as condições de trabalho de pessoas menos favorecidas.

Claudia Andujar, por sua vez, tem como temática o registro do modo de vida de povos indígenas da Amazônia. Além de ser um belo estudo antropológico, o trabalho dessa fotógrafa é importante para não deixar se perder no tempo a cultura de um povo tão ameaçado em desaparecer.

Cartier Bresson, pautado no seu lema do “instante decisivo” dizia que para se obter uma boa fotografia era preciso saber o momento exato de dar o clique. Baseado nesse preceito, ele registrou de maneira primorosa acontecimentos no início do século passado. Suas fotos registraram fatos reais no momento do ápice de seu acontecimento e, por isso, ademas de surpreenderem pelo inusitado da situação, também nos serve como documento do estilo de vida daquela época.

Contudo, uma foto documental não necessita de grandes eventos, lugares ou pessoas exóticas para ter valor. A foto documental pode ser feita no nosso meio social, no nosso bairro. Registrar a arquitetura do bairro, o modo de vida das pessoas, o caminho que fazemos para ir pra escola ou trabalho, as transformações que a paisagem urbana sobre com o passar do tempo. Todo lugar, toda sociedade, toda comunidade é digna de ser fotografada porque é única no mundo. Podem até existir outras parecidas, mas não serão idênticas, e o mais importante, não serão as mesmas. Veja que lindo registro de um simples fato do cotidiano:

Fotografia: ser em vez de representar

Quando pensamos no valor de uma fotografia sempre a relacionamos como o registro de algo do mundo. Assim, uma foto pode ter um valor histórico por registrar uma época passada; pode ter um valor sentimental se for um retrato de uma pessoa amada ou pode ter um valor documental se for, por exemplo, a prova de um crime cometido.

Contudo, uma maneira interessante de pensar a fotografia é não tê-la como representação de algo (como cópia da realidade), mas alçá-la no lugar desse algo. Isso pode se dar de duas maneiras: na primeira, a fotografia, por ser um objeto físico (um pedaço de papel), é por si só parte da realidade e pode, portanto, ser ícone de si mesma. Na segunda maneira, a fotografia pode carregar tão intrinsecamente a referência daquilo que ela retrata que deixa de ser uma representação para tornar-se um ícone desse objeto ou pessoa. Ou seja, a fotografia deixa de ser uma simples imagem da coisa retratada para tornar-se um objeto independente que pode ser colocado no lugar dessa coisa. Parece complicado? Veja esses dois exemplos abaixo para entender melhor.

Andy Warhol foi talvez o artista mais conhecido da Pop Art americana. Não há quem não conheça suas obras com imagens da Marilyn Monroe, por exemplo. Marilyn foi um ícone do cinema americano. Contudo, esse trabalho de Andy Warhol é tão conhecido quanto a própria atriz. Assim, essa obra de Warhol é um ícone dele próprio e do movimento artístico ao qual ele pertenceu em meados do século passado. Essa imagem da Marilyn Monroe foi tão divulgada que já faz parte do imaginário popular e, portanto, dispensa explicação. Além disso, as obras de Warhol são na verdade serigrafias produzidas a partir de fotografias retiradas de revistas e jornais. Nesse sentido, o trabalho desse artista pop discute o próprio valor da fotografia como meio de divulgação da imagem e a sua característica reprodutível. Ou seja, é da natureza da fotografia permitir indefinidas cópias da mesma imagem. É justamente nesse ponto que Warhol toca quando reproduz dezenas de vezes a foto de Jacqueline Kennedy, por exemplo.

Outro exemplo de trabalho artístico que explora a iconicidade da fotografia é o realizado pelo fotógrafo paraense Alexandre Sequeira. Em seu trabalho Sequeira fotografa moradores de uma pequena vila, às margens do rio Mocajuba, no Estado do Pará. Depois de feitos os retratos, as imagens são transferidas em tamanho natural para toalhas de mesa, cortinas e lençóis pertencentes às pessoas fotografadas. Esses tecidos são, então, colocados de volta na casa de seus donos. Temos aqui um trabalho muito poético no qual a imagem de uma pessoa é gravada em algum tecido pertencente a ela. Como esse tecido fez parte de sua vida, ele está impregnado da existência dessa pessoa, está manchado pelo uso durante anos, ou seja, carrega consigo a história e a presença de seu dono.

Nunca imaginei que minha cortina fosse tão parecida comigo“, exclamou dona Benedita ao ver-se retratada no antigo tecido de sua casa.

A beleza e o interesse do trabalho de Sequeira se dá ao colocar de volta na casa da pessoa a imagem estampada no tecido usado. Com esse ato, o artista não coloca simplesmente a imagem da pessoa na casa dela. O tecido, por pertencer ao fotografado e carregar em si a história de seu dono, é a própria essência da pessoa que retorna ao lar. Assim, podemos dizer que o tecido não é a representação da pessoa, mas está ali no lugar dela, é a sua presença latente. De acordo com Chiodetto, um crítico de arte, “mais que atestar a presença das pessoas em um determinado lugar, as peças reapresentam, entre estampas, manchas acumuladas e a serigrafia sobreposta, delicadas tramas que falam de identidade e memória, esta última indelevelmente associada ao tempo“.

Sobre o tempo e o não-tempo

Quando se vai estudar sobre a filosofia da fotografia inevitavelmente se chega no tema da morte e da eternidade. São vários os autores que tratam desse assunto. Essas questões complexas, a princípio parecem fugidias, difíceis de serem entendidas. Mas quando nos debruçamos sobre elas e nos permitimos ser tocados por esses temas tão profundos, vamos sentindo um novo mundo se abrindo e nunca mais vemos uma foto da mesma maneira, com a mesma ingenuidade que tínhamos antes.

Como já havia dito antes, a fotogarfia é um registro de algum fato que aconteceu. Roland Barthes, um importante estudioso da fotografia, disse que a fotografia é o registro do “isso aconteceu”. Ou seja, quando vemos uma foto, temos a certeza de que aquele episódio ali mostrado realmente se sucedeu. Contudo, o passado é um tempo morto, é um tempo que não volta mais. Sendo assim, a fotografia é o registro de algo morto. Além disso, a fixidez, a imobilidade e o silêncio da imagem fotográfica também nos remete ao tema da morte. Veja o que Lucia Santaella disse a respeito disso: “Diferentemente do cinema, da televisão e do vídeo, que, graças ao movimento, guardam a memória dos mortos como se estivessem vivos, fotografias, devido à imobilidade, fixidez, que lhes são próprias, guardam a memória dos mortos como mortos.”

Por outro lado, se a imagem fotográfica registra um tempo morto, ela também guarda aquele instante passado pelo resto da eternidade. A imagem fotográfica fixa, estável, congelada, imutável, disponível para sempre, nos dá uma espécie de posse sobre o objeto fotografado, algo que pode ser conservado e olhado repetidas vezes.

Num outro nível, ainda mais metafórico, o instantâneo fotográfico, assim como a morte, “é um sequestro de um objeto para um outro mundo. Também como a morte, a tomada fotográfica é imediata e definitiva”. Contudo, “o outro mundo” em que o objeto fotográfico é tragado não é apenas o da morte do instante capturado, mas o de um outro tempo, de duração infinita na imobilidade total, interminável, imutável, perpétuo, eterno. Na petrificação fotográfica não está apenas a imobilidade mortífera, mas também a eternidade latente e indestrutível. Em outras palavras, de modo até mais sublime, quando falamos de morte e eternidade na fotografia, na verdade estamos falando do tempo. O tempo que se passou no momento em que a foto foi tirada; o tempo eternizado na imagem; o tempo que dura a fotografia (pois um dia ela pode se estragar) e o tempo que alguém pode se deter observando essa foto (neste caso, sempre um tempo presente).

São inúmeros os artistas que trabalham a questão do tempo (e da morte) na fotografia. David Hockney é apenas um deles. Por um período, seu trabalho fotográfico consistiu em registrar uma cena usando não apenas uma fotografia, mas um conjunto delas que depois eram justapostas para reconstruir aquele tempo passado. Com este trabalho o artista conseguia esticar o instante fotográfico para o tempo em que durasse a sessão de fotos. Como os modelos fotografados estavam em constante movimento, a cada clique o fotógrafo registrava uma pose diferente. Ao se juntar todas as fotos esses instantes se fundem criando um contínuo de tempo e movimento. Temos aqui uma ambiguidade, cada foto tem seu instante, o conjunto todo tem seu período, mas o que se vê é estático. Temos frações de segundos, registrados a cada clique, que na verdade não correspondem ao tempo exato da imagem e os personagens estão congelados num movimento eterno.

A fotografia cria novas possibilidades

Não tem como, sempre que falamos de fotografia estamos falando do registro da realidade. Mas será que deve ser sempre assim? Não poderia a fotografia inventar novas realidades, propor novos mundos, situações improváveis e personagens fantásticos? Claro que sim! Ainda mais com o advento da tecnologia digital e dos recursos do photoshop. Aliás, atualmente, a manipulação digital da imagem é tão comum que dispensa até mesmo qualquer exemplificação nesse texto.

Mas, mesmo muito antes de toda essa tecnologia existir, os artistas já se utilizavam da fotografia para propor situações inexistentes. Como exemplo disso podemos citar as fotografias surrealistas e as fotomontagens.

Ambos os movimentos surgiram no início do século passado e se utilizavam de recursos muitas vezes bastente primitivos como o recorte e a colagem. Se antes a fotografia sofria o preconceito de não ser uma técnica artística por ser um registro frio e objetivo da realidade, após essas vanguardas artísticas os fotógrafos romperam de vez com qualquer dúvida que pudesse existir com relação ao pertencimento da fotografia ao mundo da arte. Veja alguns exemplos abaixo e conclua você mesmo se essas imagens não são expressões poéticas e conceituais de seus autores.

Para finalizar quero apenas mostrar uma dupla de artistas franceses que trabalha com a criação de mundos ideais por meio da fotografia. Pierre et Gilles desenvolveram uma técnica de trabalho que funde fotografia e pintura e por meio de sua arte criam um mundo de fantasia, glamour e perfeição. Através da confecção de cenários, figurinos, maquiagem e do jogo de iluminação, os artistas constroem o conceito de ideal, que baseado na artificialidade, ultrapassa o “falso absoluto” para atingir o grau de hiper-realidade. Os personagens utilizados em suas fotos também ajudam na construção desse mundo ideal e belo. São recorrente em seus trabalhos a retratação de santos, mártires, heróis, deuses gregos e, é claro, celebridades do mundo real que, ironicamente vivem num mundo de fantasia à parte de nossa realidade.


quarta-feira, 10 de março de 2021

A Criação de Adão de Michelangelo

Uma das obras de arte mais reconhecidas no mundo, A Criação de Adão de Michelangelo é um importante patrimônio material e artístico, cuja expressão é carregada de simbologias e influências artísticas de sua época. A pintura pertence ao conjunto de afrescos presentes na Capela Sistina, no Vaticano. A obra foi pintada pelo artista Michelangelo Di Lodovico Buonarroti Simoni, a pedido do papa Julio ll dela Rovere.

Apesar da relutância do artista em aceitar o pedido, em 1508 começou o projeto e alterou o clássico teto estrelado por uma combinação de imagens que retratam diversas passagens bíblicas, reencenando cenas principalmente do livro de Gênesis. A obra foi finalizada apenas em 1512, tornando-se um dos principais pontos de visitação turística no Vaticano. O afresco inteiro mede 13,75m x 39m, enquanto A Criação de Adão mede 280cm x 570cm. Toda a obra está localizada no Palácio Apostólico da Cidade do Vaticano.

a criação de adão

A Criação de Adão é apenas uma das obras presentes no teto da capela, que conta com a imagem de cerca de outros 300 personagens bíblicos em obras que complementam e criam uma linearidade histórica em todo o conjunto da obra. A composição da obra A Criação de Adão tem de ser compreendida com as demais obras em ordem cronológica: A Separação da Luz e das Trevas, O Pecado Original, A Expulsão do Jardim do Éden e O Dilúvio. Há ainda outros retratos ao redor destas principais obras que apresentam imagens de profetas e anjos católicos. Há, ainda, estudos que explicam uma possível mensagem subliminar na obra A Criação de Adão, destacando-a entre todas as demais pinturas do afresco.

História de Michelangelo

Nascido em 1475, na região de Caprese, Michelangelo foi um artista à frente de seu tempo. Esteve em Florença entre 1488 e 1495, onde foi aprendiz de Domenico Ghirlandaio, com quem pôde desenvolver seus dotes em pinturas de afrescos e de Bertoldo di Giovanni, com quem aprendeu as técnicas da escultura em pedra. Apesar de ser conhecido pela pintura do afresco, o artista se considerava mais escultor do que pintor, sendo a escultura a sua maior paixão.

A Criação de Adão: Técnica utilizada

A obra de arte sacra apresenta diversas referências à anatomia humana, como o formato de cérebro no entorno da imagem de Deus junto aos anjos. A técnica utilizada pelo artista foi a de afresco, que é a pintura realizada em paredes ou tetos tanto interna como externamente. Assim, a base deixa de ser a tela para dar lugar a estruturas físicas, onde o artista utiliza-se de gesso, argamassa e tinta para realizar a obra. Trata-se de uma pintura em estilo mural, muito comum em igrejas e templos católicos.

A intenção de Michelangelo ao pintar a obra com todas as referências ao humano era representar, ainda que dentro de um ambiente eclesiástico, o contexto de sua época que valoriza o proveniente do ser humano, e não do divino. A obra pertence ao período histórico do Renascimento cultural, do Humanismo e do Racionalismo, valores estes que vêm ocupar o lugar que até então pertencia única e exclusivamente à Igreja Católica no ambiente ocidental da Europa.

michelangelo

A produção de conhecimento, a fonte de saber e da verdade única e toda a organização social eram vinculadas diretamente à instituição da Igreja, o que vai de encontro com as concepções vanguardistas do momento, que colocavam o homem como o centro de produção de conhecimentos e de ciência. Esta incongruência é um fator que despertou a atenção de muitos artistas posteriores que enxergam na obra de Michelangelo diversas referências a esta nova forma de compreender e ler o mundo. Graças a esse dualismo de ideias, surgiram diversas hipóteses que dão novos sentidos à pintura do afresco.

As teorias sobre A Criação de Adão giram em torno das representações do humanismo e da racionalidade do homem na obra religiosa. A relutância do artista Michelangelo estava justamente no fato de seus estudos em anatomia e em métodos científicos irem contra os dogmas católicos da época. Buscando manter sua conduta humanística e influenciada pela ascensão do racionalismo, o pintor então tentou representar imagens diretamente ligadas à fisiologia humana dentro de sua obra, ainda que de maneira indireta.

Assim, o entorno da imagem de Deus em tons de rosa onde estão os anjos e possivelmente a imagem de Eva condiz com o formato e as partes até então conhecidas do cérebro humano. Dessa forma, acredita-se que o autor tenha buscaco representar as ideias do Renascimento cultural, junto com o Humanismo e o Racionalismo. O momento era de apreço às ciências pensadas pelo homem, como a filosofia e a matemática, o que vai de encontro à proposta da instituição católica.

Ainda assim, a teoria condiz em afirmar que não apenas nesta obra, mas em outras partes do afresco, há referências a órgãos do corpo humano, em uma tentativa do autor em manter para a posteridade as influências racionalistas de sua época.

Há ainda estudos que explicam uma possível mensagem subliminar na obra A Criação de Adão. Para muitos especuladores, o próprio título da obra pode apresentar uma dupla interpretação. A Criação de Adão pode se referir à criação bíblica propriamente dita, onde Deus dá o sopro da vida ao homem através da figura de Adão, ou, ainda, levando em consideração a imagem do cérebro humano representada na obra, poderia ser Deus a criação do homem, fruto de sua própria capacidade criativa e racional.

Essa inversão da lógica estaria ligada a toda a proposta de Michelangelo em esboçar mais da parte racional do homem, tirando o enfoque literal da obra bíblica, ainda que a pintura esteja presente dentro de uma capela. A audácia desta interpretação a leva a ser considerada apenas uma mensagem subliminar, interpretada por contemporâneos.

Curiosidades sobre A Criação de Adão

Esta pintura mais famosa retrata o momento simbólico em que Deus dá a Adão o sopro da vida através do toque do dedo do Criador. A pintura está localizada mais ao centro do teto da capela e é uma das obras mais famosas da cultura católica, tendo diversas releituras em culturas contemporâneas. Outra curiosidade sobre a obra é quanto ao dedo indicador de Adão, que já não é a mais parte original da obra, uma vez que teve de ser reconstituído por outro artista anos mais tarde devido à queda de parte do teto da capela, que então precisou passar por uma restauração.

Outras obras de Michelangelo também desta época são as esculturas em mármore de Baco, Davi e a Pietá. Há relatos da época que comprovam a genialidade do artista em esculturas. Seu método de confecção diferenciava dos demais artistas, que faziam o molde da obra e aos poucos aperfeiçoavam os detalhes do corpo.

Michelangelo, entretanto, iniciava a obra como se fizesse o personagem saltar de dentro da pedra de mármore, realizando o passo a passo da obra por partes perfeitamente esculpidas, de cima para baixo ou de dentro para fora. O artista dizia sentir a presença da obra no interior da pedra, cumprindo apenas o ofício de fazê-la sair, como um ato mais natural e artístico do que simplesmente criar a obra a partir da matéria prima.

quinta-feira, 4 de março de 2021

Arte Povera


Vanguarda italiana de saída do sistema

ARTE POVERA
Performance externa de Michelangelo Pistoletto com Walking Sculpture e participação do público em 2018 no Chile.

Arte povera. Já conhece? Antes de oferecer qualquer definição, vamos conhecer algumas obras de artistas deste movimento e observar importantes aspectos para entender sua proposta.

Michelangelo Pistoletto – Walking Sculpture, 1965-68 – imagem Arch Paper
ARTE POVERA
Jannis Kounellis – Untitled, 1969 – imagem Tate Museum
ARTE POVERA
Pino Pascali – Trap, 1968 – imagem TatMuseum

Michelangelo Pistoletto, Jannis Kounellis e Pino Pascali são alguns dos fundadores do movimento da arte povera. É evidente nas imagens que não se trata de trabalhos tradicionais de pintura e escultura. Os materiais usados nos trabalhos são diferentes, mais próximos de elementos que nos deparamos no dia a dia; as obras são construídas a partir deles.

Em Walking Sculpture, Michelangelo Pistoletto traz uma esfera coberta com pedaços de jornal com notícias sobre os eventos da Itália na década de 60. A escultura é móvel e interativa, na qual o participante se envolve e as notícias circulam o ambiente através da mobilidade da obra.

Em Untitled, de Jannis Kounellis, há uma composição de sacos de linho dispostos no chão com grãos como feijão, lentilha, milho, ervilha e café alinhados à parede. Ao entrar numa galeria de arte e se deparar com esse tipo de material, a estranheza é imediata. E o objetivo está muito próximo disso. Trazer objetos cotidianos para um espaço expositivo nos obriga a repensar nossa própria vida e como é o seu envolvimento com relação à arte.

Em Trap, o artista Pino Pascali constrói uma espécie de armadilha feita de palha de aço. A estrutura se assemelha a emboscadas feitas para caça de animais. Aqui, um único material muito simples como palha de aço, dá espaço à perspectiva poética de construção da obra.

Agora, vamos entender as motivações para a realizações dessas criações.

A arte povera teve início na Itália de 1960. Era um período no qual a pop art, o minimalismo, abstracionismo e outros movimentos ganharam força e espaço na Europa e Estados Unidos.

Dentro disso, os artistas italianos percebem uma mecanização do sistema de arte, no qual os artistas não têm liberdade de criar e se tornam reféns de materiais e suportes tradicionais e motivos autorreferenciais da arte visual para criar suas obras.

O caráter que a arte povera adquire, então, é o de trazer a autonomia de criação para o artista contemporâneo. É uma tomada de posição contrária a todo sistema cultural e social que direciona a perspectiva do artista a criar o que se encaixa dentro do esperado. Não há uma frente agressiva a esse sistema, mas há uma intenção de saída desse sistema, a fim de criar um caminho à parte.

É daí que se desenvolve o termo “povera”, que significa “pobre”. Não se deve entender o termo a partir da conotação econômica, mas como uma ausência de abundância desnecessária e que distancia o homem de sua essência como ser existente no mundo. É sobre recusar tudo que norteia o nosso mundo e não é necessário à essência humana. A riqueza a qual se contrapõe é a de um sistema artístico complexo composto por muitos instrumentos e regências, para realizar um retorno à uma pesquisa artística simples na qual se conectam o artista e sua ideia enquanto ser autônomo e integrante palpável da sociedade.

O termo foi definido por Germano Celant, crítico e curador italiano, que reuniu 12 artistas que compartilhavam destes princípios para montar a exposição Arte Povera – Im Spazio. Sobre este trabalho, lançou o manifesto Arte Povera – Notas sobre uma guerrilha, veiculada pela revista Flash Art em dezembro de 1967. Ali, defende todos os princípios dessa nova proposta e menciona os artistas e a importância de suas proposições.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Vênus de Milo

 

Você conhece a Vênus de Milo?
   

A sua história começou quando foi descoberta em 1820 na ilha de Milo, parte do Império Otomano.

Depois de sua aquisição pela França foi imediatamente exposta no Museu do Louvre, oficialmente como uma obra-prima da prestigiosa geração clássica e atribuída a escola de Praxíteles, tornando-se uma celebridade instantânea e um motivo de orgulho nacionalista.

A obra, de 2,02 m de altura, é composta basicamente de dois grandes segmentos de mármore de Paros, com várias outras partes menores trabalhadas em separado e ligadas entre si por grampos de ferro, uma técnica comum entre os gregos antigos.

A deusa usava joias de metal – braçadeira, brincos e tiara – presumidas pela existência de orifícios de fixação.

Pode ter tido outros adereços, e sua superfície pode ter recebido pintura, que entretanto não deixou traços.

De início a ideia do conservador-chefe do museu, Bernard Lange, era restaurar a obra integralmente, recriando todas as partes que faltavam, prática comum na época, mas como a posição dos braços não podia ser determinada com segurança, resolveu-se fazer um restauro apenas ligeiro na ponta do nariz, no lábio inferior, no dedão do pé direito e em algumas dobras do manto, acrescentando-se também o pé esquerdo e uma base retangular para sustentá-lo.

 

Em maio de 1821 o museu anunciou oficialmente a exposição da Vênus de Milo.

A necessidade de mostrar Vênus de Milo enquanto obra de arte do mais alto valor, a fim de prestigiar o próprio povo francês, complicou em muito o processo de identificação da obra.

A sua postura geral com um movimento espiralado, os seios pequenos e o padrão das dobras do seu manto, por outro lado, concordam com as inovações formais introduzidas pelos escultores helenistas.

Representando uma das deusas mais importantes e veneradas da Antiguidade Clássica, a Vênus de Milo simboliza o ideal de beleza facial e corporal da época.

Sendo uma das poucas obras originais da Antiguidade que chegaram aos nossos dias, sua imperfeição mutilada contrasta com o trabalho preciso do escultor.

Para reproduzir a textura do manto, esculpiu várias dobras e pregas no mármore, como aconteceria num tecido, jogando com luzes e sombras.

Algumas interpretações defendem que a posição da deusa, com o corpo torcido, teria o objetivo de segurar o manto que escorregava.

Tal como aconteceu com outras obras que marcaram a História da Arte, a expressão misteriosa da Vênus e a suavidade de seus traços têm conquistado admiradores ao longo dos tempos.

Os seus cabelos, longos e divididos no meio, estão presos mas revelam a textura ondulada, recriada no mármore pelo escultor.

Segundo alguns especialistas, além da propaganda feita pelo governo francês para promover a obra, a sua fama teria uma outra razão, algo que a torna singular.

Pela posição do corpo e as ondulações no manto e nos cabelos, a mulher parece estar em movimento, vista de todos os ângulos

Embora também não tenha o pé esquerdo, a ausência que mais se destaca na estátua, e também aquela que a imortalizou, é a ausência dos braços.

Talvez por se tratar de uma característica tão marcante, são várias as lendas que procuram adivinhar o que a deusa carregava e como perdeu os membros.

Além da discussão para precisar ao período que ela foi esculpida, continuam as especulações sobre a sua real imagem, como exposto acima, foi adquirida pela França logo depois de ser descoberta, como uma das obras mais emblemáticas da cultura grega e que nunca mais voltou ao seu país de origem.

A Grécia reclama o seu direito à obra da qual foi privada por tanto tempo, pedindo a devolução da estátua até 2020.