A exposição do escultor Rogério Ratão reúne 12 peças que podem ser
vistas até o dia 29 de outubro no Memorial da Inclusão, zona oeste
paulistana. Pelo menos a metade delas são rostos e bustos com feições
nunca vistas pelo artista. As que fazem parte da série Devaneios
surgiram a partir do exercício de modelagem no torno. "Eu estava, na
verdade, criando seixos no torno, pedras de rio. E quando eu peguei isso
na mão eu pensei: 'Nossa, poderiam ser cabeças?'", disse Rogério sobre
seu processo de trabalho.
Os rostos ovais foram colocados sob pedestais que os deixam inclinados,
com ar contemplativo. Conjuntos que podem ser desmontados pelos
visitantes durante a apreciação dos trabalhos. Isso porque toda a
exposição Impressões Táteis pode ser tocada pelo público. Os títulos da
obra estão em letras grandes que facilitam a leitura para os que têm
dificuldades de visão e texto em Braile para aqueles que não enxergam.
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Essa é situação do próprio artista, que desde os 18 anos consegue
perceber apenas algumas variações de luz. Rogério já tinha a visão de um
dos olhos bastante prejudicada por problemas congênitos. Mas uma
inflamação, no fim da adolescência, acabou atacando também o olho mais
funcional do escultor.
Foi inicialmente como uma forma de reabilitação que, em 1992, Rogério
foi estudar com o artista plástico Angel San Martin . O processo de
aprendizado com a escultura foi parte de uma releitura do mundo. "Apesar
de gostar de arte, querer ter feito arquitetura, eu não tinha
experiência nenhuma com modelagem. Ainda mais, a partir de então, sem a
visão. Eu tive mesmo que desenvolver muito o sentido tátil, não só da
minha mão, mas do corpo inteiro", disse.
Tocar nas obras
A experiência tátil, em outro sentido, foi uma novidade para as alunas
de uma escola estadual de Sapobemba que visitaram a exposição. "A gente
se aproxima da obra. Você consegue sentir os detalhes", afirmou a
estudante Mablyn Cristina, de 14 anos, que estava com as colegas com as
quais fará um projeto ligado à acessibilidade na escola onde estudam.
"A gente consegue perceber o amor que ele teve para fazer as obras",
complementou, empolgada, Lívia Vieira (14 anos), outra participante do
grupo que esteve no museu naquela tarde. A professora Iara Sobrinho, que
acompanhava as estudantes, tentou resumir os sentimentos das jovens. "A
visão dele é esse tato. Você consegue sentir o que ele quer passar, ver
pela visão dele".
A importância da descoberta do potencial dos sentidos está representada
na exposição. Na primeira série, feita entre 1994 e 1995, um dos
trabalhos é uma escultura de um par de mãos. Significativo do modo como
Rogério foi descobrindo a usar seu corpo como medida do espaço e do
material que modelava. "Eu tomo meu corpo como referência para criar uma
relação de espaço", disse.
A técnica aperfeiçoada foi usada para que o escultor traduzisse em
bronze, assim como a maioria das peças da exposição, a afeição pela
música clássica. "A minha segunda individual foi em cima do Choro de
Câmara nº7 do Heitor Villa-Lobos. Eu fiz as musicistas que seriam
necessárias para execução dessa obra".
Em seguida, vem os bustos com nomes de gente comum. Ilustres
Desconhecidos, segundo o título dado pelo artista. Retratos feitos com
base na estética do início do século 20. "Sou apaixonado pela arte
ocidental feita nas décadas de 1910, 20 e 30. Gosto muito da arte déco".
O Memorial da Inclusão funciona, de segunda a sexta-feira, das 10h às
17h, no complexo do Memorial da América Latina, zona oeste da capital
paulista.
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